terça-feira, 31 de julho de 2007

Chora Cinema III - 'A vida é breve, longa é a arte'

Heithor Dhalia, de 'O cheiro do ralo', comenta a morte do diretor. 'Vai deixar um vazio igual àquele que retratou tão bem nos seus filmes'

É com tristeza que recebo a notícia da morte de Ingmar Bergman. Mas morre o diretor, não o seu cinema. Bergman fez filmes que, sem dúvida, ficarão para sempre no meu coração e na história do grande cinema.

Não posso deixar de lembrar de quando vi a primeira vez “Cenas de um casamento”. A série original foi rodada em 1972, quando eu tinha dois anos apenas. Quando assisti, já adulto, tomei um susto. Quando ele filmou aquilo eu ainda estava engatinhando. E olhando hoje, sinto que ainda continuo engatinhando.

"Cenas de um casamento" é tão perfeito e brilhante, que consegue antecipar as mudanças sociais que aconteceram nos 30 anos que se seguiram: a ruptura feminina, a rediscussão do papel masculino na sociedade e o fracasso do casamento como um genérico. É um retrato perfeito do que vivemos hoje.

Bergman é um clássico e já era mesmo antes de morrer. Quem duvida reveja "Fanny e Alexander", "Saraband", "Persona", "Cenas de um casamento" e até "Infiel", não dirigido, mas roterizado por ele. Este é o filme mais pesado emocionalmente a que eu assisti até hoje.

Quando penso em Bergman, penso mais na minha vida do que em cinema. Acho que ele foi o grande dramarturgo das relações amorosas e familiares do século 20. Bergman é obrigatório, difícil e necessário. É uma aula de cinema. Mais do que isso: é uma aula de vida. Poucos diretores conseguiram ser tão adultos quando ele. Às vezes, nos revelando o nosso lado mais inseguro e infantil.

O seu pessimismo é um grito de desespero. Um desespero pela vida. A vida é assim, mas vale a pena. Ou como diria Sêneca: “Deve-se aprender a viver por toda a vida e, por mais que tu talvez te espantes, a vida toda é um aprender a morrer”. Bergman sabia disso e fez filmes que não deixam esquecer que a vida deve ser vivida em cada segundo com toda intensidade.

Para encerrar, queria contar uma história que aconteceu entre Bergman e Woody Allen. Atriz que fez "Cenas de um casamento" foi para Hollywood e fez alguns filmes ruins por lá, depois se mudou para Nova York onde conheceu Woody Allen, que era fã do Bergman. Certo dia, Bergman estava visitando a cidade e ela marcou um jantar entre os dois.

Pois bem, o jantar aconteceu. Porém, durante todo o jantar os dois não trocaram uma única palavra sequer. Os dois comeram, se olharam e só. Depois apertaram as mãos e Bergman foi embora. A história é engraçada e nos diz muito a respeito dele.

Enfim, um grande diretor, um grande artista. Bergman vai deixar saudades e um vazio no coração, como aqueles que sempre retratou tão bem nos filmes que fez.

*Heitor Dhalia é diretor dos longa-metragens "Nina" e "O cheiro do ralo"

Via: G1-Cinema

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